Prezado Secretário-Geral Ban Ki-moon:

Prezado Secretário-Geral Ban Ki-moon:

Sem dúvida alguma, você assistiu com terror e preocupação ao desastre de Fukushima no dia 11 de março de 2011: o que outro desastre nuclear significa para a relação entre Estados, em especial na sua região natal da Ásia oriental? Felizmente, ao que parece, grande parte dos efeitos se mantiveram nas ilhas japonesas, e foram menores que os previstos por especialistas. Em semanas, as histórias se dissiparam ou mesmo desapareceram dos principais meios de comunicação, e só foram resgatadas com histórias individuais de heróis ou aquelas especialmente trágicas da perda de um ente querido.

Mas crise não acabou. Hoje, Martin Fackler relatou no New York Times que água radioativamente poluída está vazando das usinas e que o local está num novo estado de emergência. Mitsuhei Murata, ex-embaixador do Japão na Suíça, escreveu uma carta no ano passado que trouxe a atenção internacional às milhares de barras de combustível radioativo que estão no local, e ao perigo que sua vulnerabilidade representa; ele testemunhou isso diversas vezes ao parlamento japonês. Especialistas internacionais, independentes e da Agência Internacional de Energia Atômica, comentaram que os planos da Companhia Elétrica de Tóquio para a remoção das barras do local e seu armazenamento em um local mais seguro, mesmo que temporariamente, são otimistas ou mesmo irrealistas.

A mídia tem feito um trabalho minimamente adequado em relatar os muitos problemas que tais barras de combustível representam. O combustível radioativo precisa ser constantemente resfriado para manter-se seguro; o sistema elétrico improvisado para fazer esta refrigeração já falhou algumas vezes, em uma ocasião por mais de 24 horas, tanto por conta própria como por conta de ratos famintos. O mecanismo que se mantém entre a segurança e um incêndio na usina de Fukushima Daiichi é, no mínimo, precário. (E, como já é evidente para muitos desde o início, a Companhia Elétrica de Tóquio espera reduzir suas responsabilidades: primeiramente, na segurança e manutenção; em segundo lugar, em pagar seus custos ao Japão.)

Só é possível fazer especulações sobre a dimensão das consequências de um incêndio desde combustível. Porém, é certo que, uma vez iniciando o incêndio (por falta de água para refrigeração ou por derramamento causado por um terremoto), mesmo o melhor dos cenários seria um desastre global sem precedentes. Algumas das possíveis consequências são: a evacuação dos 35 milhões de habitantes de Tóquio, o desuso permanente da terra no Japão, e a contaminação das lavouras alimentícias nos Estados Unidos. Estas não são projeções mirabolantes, porém expectativas razoáveis, se não conservadoras.

Ainda assim, inimaginável, porém familiar, esta situação ainda é renegada às últimas páginas dos nossos jornais, e, portanto, para o fundo da mente de nossos líderes. Isso me lembra a nossa abordagem internacional para lidar com as mudanças climáticas, da qual fiz parte por décadas, primeiro nas Nações Unidas e depois como Secretário Geral do Parlamento da Cúpula da Terra no Rio de Janeiro: nós temos um latente, porém sério problema que nós provavelmente podemos resolver, mas nos falta vontade política para fazê-lo. Como vocês todos sabem bem, um acordo bem sucedido para as mudanças climáticas tem nos iludido.

Em comparação com mudanças climáticas, porém, a questão das barras de combustível radioativo em Fukushima é tanto mais fácil de resolver como mais urgente. Qualquer japonês pode te dizer que outro terremoto sério irá incidir sobre o país na próxima década. Ou seja, a situação precisa ser resolvida rapidamente.

Apesar disso, mesmo que possível de resolver, a questão demanda atenção constante e competente, além de atores com muitos recursos. Então, quem se habilita? A Agência Internacional de Energia Atômica disse na semana passada que seriam necessários 40 anos para a Companhia Elétrica de Tóquio assegurar o armazenamento adequado das barras de combustível. A empresa já está recusando pagar bilhões de Yens em custos de limpeza, e não possui a tecnologia nem os recursos para realizar esta tarefa com competência. Enquanto isso, o governo japonês apenas observa.

Fora do Japão, a escolha óbvia são os Estados Unidos, por sua superioridade tecnológica, recursos, e liderança. Logo após o acidente, o Departamento de Defesa americano ofereceu apoio ao Japão, mas os japoneses negaram. Ainda não se sabe se esta via de ajuda ainda existe. Esta não seria uma ação benevolente: os EUA se encontram no caminho dos danos e estragos no caso de um incêndio envolvendo os combustíveis citados; habitantes da California, Oregon e Washington já receberam muita radiação. Uma ação liderada pelo EUA, com exceção apenas do Senador do Oregon Ron Wyden, é improvável: Senadores americanos continuam a demonstrar sua impotência dentro e fora do país.

Eu tenho insistido há tempos por um time internacional de especialistas independentes para investigar a situação. As Nações Unidas são um corpo apropriado para montar e enviar tal time. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), por outro lado, não deveria tomar a responsabilidade.

A missão da AIEA é promover o uso pacífico da energia nuclear. Preocupações com proliferação não são aplicáveis aqui, e o desastre certamente chamou a atenção (novamente) para o que significa o uso pacífico da energia nuclear e se ela deve ou não ser promovida. Enquanto a agência tem recentemente insistido em melhorias na segurança em Fukushima, a mentalidade oficial ainda é, incorretamente e impossivelmente, de usar a Companhia Elétrica de Tóquio para realizar o processo.

Não estamos esperando apenas por um grande desastre. Um já está se formando bem à nossa frente. As consequências à vida da radiação liberada são grandes: ao contrário do que tem sido divulgado pelos principais meios de comunicação, nós iremos ver um salto significativo em casos de câncer da tireoide e de outros tipos em quatro ou cinco anos. Más formações congênitas provavelmente irão começar a aparecer. Aquilo que as agências da ONU e a imprensa têm relatado prematuramente é irresponsável: será que não temos noção do que “prematuro” significa? Esses efeitos latentes irão danificar parte da população jovem japonesa ainda nesta década.

Nossa miopia, no Japão e internacionalmente, é trágica. Um ponto brilhante foi do Relator Especial da ONU Anand Grover, em sua missão em busca de informações no Japão, no ano passado; eu espero que vocês apoiem suas informações e as compartilhe amplamente.

Nós já esperamos por muito tempo, como fizemos para as mudanças climáticas, para que ações sejam tomadas em Fukushima. Mas agora está claro que não podemos deixar que o Japão tome conta de uma questão que pode afetar a todos nós.

Secretário-Geral Ban Ki-moon, eu insisto que você utilize sua exclusiva posição de líder das Nações Unidas para ampliar a vontade política e organizar um time independente de investigação com cientistas e engenheiros internacionais para resolver a questão das barras de combustível radioativo de Fukushima, antes que sejamos forçados a conviver com os efeitos radioativos de outro desastre. O Japão e o mundo não deve sofrer mais devido à nossa escolha por esperar.

Honestamente,

Akio Matsumura
-Ex-Conselheiro Especial para o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDP)
-Fundador e Secretário-Geral do Fórum Global de Líderes Espirituais e Parlamentares pela Sobrevivência Humana
-Secretário-Geral da Conferência da Cúpula da Terra no Rio de Janeiro, em 1992

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